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Aspectos pitorescos da vida de Raimundo Girão

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O Menino do Comboio

O Sousa, pai de Raimundo Girão, possuía na Serra de Maranguape um Sítio denominado Guarani. A produção de frutas era inicialmente vendida em Maranguape: "Não tardou que a venda tivesse que ser feita em Fortaleza. O comboio saia de Maranguape, para pernoitar no Siqueira e na madrugada seguinte alcançar a Capital bem cedo. O Sousa cumpria muitas de tais viagens e, mais crescido, a tarefa, aqui e ali me tocava ou ao Benigno, meninos de 11 e 12 anos a marchar no passo da burralhada montado no cavalo Sardinha, estradeiro como nenhum, vindo de Morada Nova." (Raimundo Girão in Palestina uma Agulha e as Saudades)

O Telegrafista

"Já no término do curso do Liceu habilitei-me a concurso aberto na repartição dos Telégrafos, logrei aprovação e fui admitido em 21 de setembro de 1921. Auxiliar de estações com o ordenado de 150$000. [...] Promovido a telegrafista de 5º classe em 1º de setembro de 1926, com a diária de 8$000. (Raimundo Girão in Palestina uma Agulha e as Saudades)

Quase Agrônomo

“Enquanto freqüentava o Liceu, resolvi participar do curso de Agronomia, na Escola que acabava de fundar-se em 1918. As instalações situavam-se no antigo Esquadrão de Cavalaria, fim da linha dos bondes do Alagadiço. Matriculei-me e assisti às aulas do 1º ano: fui assim, como discente, um dos pioneiros do novo estabelecimento de ensino superior, hoje tão vitorioso. Outros liceistas o fizeram. [...] Nem todos se diplomaram. Eu por exemplo. Verifiquei custar-me dobrado esforço acompanhar os dois cursos, já pelo peso dos currículos, já porque as aulas práticas eram muito cansativas. A rabiça do arado a manhã toda, forçava demasiado os músculos, com a agravante de ser obrigado a levantar-me antes do sol, viajar de bonde grande distância e assim retornar para o almoço. Deixei a Escola contrariado, pois sempre me senti propenso aos labores agrícolas" (Raimundo Girão in Palestina uma Agulha e as Saudades)

O Crack de Futebol

Raimundo Girão foi jogador amador (half esquerdo) do Guarani Athletic Club, de 1919 a 1922. Integrante da 1º Divisão da Liga Cearense, o Guarani foi o primeiro clube derrotar o Ceará, invicto desde seu aparecimento. Em 1922 do Guarani mandou uma delegação para jogar em Parnaíba, no Piauí. "Viajamos a bordo no pequeno navio Monte Moreno que de tanto balançar quase liquida com nossas resistências. O enjôo generalizou-se. Ao tocarmos no porto de Camucim, apesar do nosso desânimo, empenhamo-nos, em justa amistosa com o time local, vencendo-o por 2 X 0. [...] Em Parnaíba, ganhamos o prélio principal disputando o troféu de honra – a rica taça Ceará-Piauí – com o Parnaíba Sporting, abatendo-o por 1X0..." (Raimundo Girão in Palestina uma Agulha e as Saudades).

Raimundo Girão chegou a jogar algumas vezes pela seleção cearense (screchman) e era um apaixonado pelo futebol, sendo torcedor do Fluminense provavelmente pela semelhança das camisas deste com as do seu Guarani. Ao contrario de Ceará, Fortaleza e América que tiveram vida longa, o Guarani durou apenas até 1925.

O Jovem Prefeito de Fortaleza

Raimundo Girão, aos 32 anos de idade, por indicação do Interventor Carneiro de Mendonça foi nomeado Prefeito de Fortaleza, sucedendo a seu tio Cel. Manuel Tibúrcio Cavalcanti, que fora chamado para ocupar a Secretaria da Fazenda. Governou a nossa capital por quase dois anos (1932-1933). Utilizando toda da força da sua inteligência e da sua juventude, fez uma administração arrojada e de muitas realizações: pavimentação das principais ruas da cidade, abertura de novas ruas, saneamento básico, jardinagem e, o que considerava o mais relevante, contratou o Planejamento Urbanístico da Cidade. Reformou a Praça do Ferreira, e no centro desta construiu a Coluna da Hora, relógio público da maior utilidade, que por muitos anos constituiu-se no principal cartão postal da cidade.

A antiga Av. Aquidabã, hoje Avenida Historiador Raimundo Girão, na Praia de Iracema, foi aberta na sua gestão.

Novamente o Telegrafista

Ao deixar a Prefeitura, "encontrava-me sem reserva alguma. Devia o preço de uma pequena mobília comprada ao comerciante Isauro Fontenele e só aos poucos amortizei o compromisso. Devia a Joaquim Lima a quantia de 400$000, de refeições que me fornecera (forneci-a a diversos) : espaçou o recebimento e continuou a mandar-me a marmita do almoço até me refazer.Foi amigo das horas incertas e sempre lhe fui agradecido. ...Ainda voltei à advocacia e ao Telégrafo, agora instalado no atual prédio, com simples burocrata.o que poderia ter o caráter de humilhação. Mas não me abati com isso. Havia subido e agora descia; encarei as circunstâncias animosamente e prossegui. Não tomei essa realidade como um "funeral das desilusões" , e, sim mais uma dificuldade a ser transposta. A minha bússola oscilou e esperei o equilíbrio. Veio" (Raimundo Girão in Palestina, uma Agulha e as Saudades).

O Ministro do Tribunal de Contas

“Em 29 de setembro daquele ano de 1935 foi criado o Tribunal de Contas do Ceará. Compunha-se de cinco membros e para o preenchimento das vagas acesa batalha se travaria, entre quantos formavam com o Governador. Sem que esperasse fui nomeado para um desses cargos, com o descontentamento de muitos figurões da grei situacionista. Os demais nomeados tinham forro político. [...] Senti-me surpreso com a minha indicação, pois não pedira, nem participava da convivência palaciana. Por que me chegava esta distinção? Algum reconhecimento ao que pudera fazer como Prefeito? [...] acabei sabendo que o meu nome foi apontado pelo Dr. José Martins Rodrigues, que o sustentou firmemente junto ao Dr. Pimentel, meu velho mestre da Faculdade. O meu título de nomeação teria a data de 21 de setembro. (Raimundo Girão in Palestina uma Agulha e as Saudades).

O Dr. José Martins Rodrigues foi amigo dileto de Raimundo Girão e seu compadre. Girão o apontava como uma das maiores inteligências que vira em ação. Sobre ele escreveu um artigo denominado – O Zemartins, transcrito na Palestina, uma Agulha e as Saudades.

O Motorista

Raimundo Girão “... não nasceu afeito à prática de dirigir automóveis, pois, segundo depoimento do próprio, em tom chistoso, as duas vezes que tentou, numa, atropelou uma carroça e na outra derrubou uma carnaúba. Daí foi um passo para esquecer a idéia " (Roberto Ribeiro, "Um Girão Chamado Raimundo". Jornal Notícias Culturais, Fortaleza, ed. de maio de 1990.

O Pioneirismo de Raimundo Girão

Raimundo Girão tinha uma " inclinação, ainda que inconscientemente para os empreendimentos que trazem a marca do pioneirismo, se não vejamos:

  • fundou o primeiro clube rotário do Ceará em 1934;
  • ajudou a implantar o núcleo cearense da Legião Brasileira de Assistência no ano de 1942;
  • ajuda a fundar, em 1947, ocupando a Diretoria Jurídica, a "Companhia Ceará de Seguros Gerais", a primeira genuinamente cearense e com matriz em Fortaleza;
  • organizou com outros intelectuais e dirigiu, pela vez primeira, a Fundação José de Alencar, em 1957;
  • colaborou na fundação e integrou a diretoria inicial da Escola de Administração do Ceará, a segunda do Brasil, também em 1957;
  • esteve a frente da Secretaria Municipal de Urbanismo, pasta criada por sugestão sua, em 1960;
  • tornou-se o primeiro Secretário Estadual de Cultura do País, comandando a pioneira Secretaria de Cultura do Ceará, de 1966 a 1971, secretaria igualmente criada sob os influxos de antiga idéia sua.

"Ressaltamos a permanência viva e atuante, até os dias presentes, da quase totalidade destas instituições e órgãos públicos." (Eurípedes Chaves Júnior, no artigo O Meu Avô Raimundo Girão do livro Raimundo Girão – O Homem (1900-2000).)

Um "operário" da Memória

Raimundo Girão, além da imensa contribuição que legou à Cultura Cearense no campo da História, da Geografia, da Antropologia, da Genealogia, da Memorialística, do Direito Financeiro, da Lexicografia e da Ensaística, foi um homem de atitudes práticas e decisivas na preservação dos valores culturais do Ceará:

  • reorganizou e dirigiu, por muitos anos, o Museu do Ceará;
  • fundou o Museu do Vaqueiro, em Morada Nova, sua cidade natal;
  • fundou o Museu São José do Ribamar de Arte Sacra, em Aquirás;
  • reinstalou o Museu Dom José Tupinambá da Frota, em Sobral e
  • instalou o Museu do Jangadeiro , em Fortaleza, hoje extinto.

Participou de várias Comissões encarregadas da ereção de monumentos a destacados vultos da nossa vida sócio-político-intelectual, inclusive a Estátua do Vaqueiro e a Estátua de Iracema – no antigo Aeroporto Pinto Martins e na Avenida Beira-Mar, respectivamente.

Integrou grupos de trabalho que revisaram a nomenclatura oficial das ruas e logradouros públicos da Capital dos "verdes mares bravios”.

Girão foi mesmo um "operário da Memória"

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