Antônio Girão Barroso - Adeus a Raimundo Girão

Designado pelo nosso presidente Caio Lóssio Botelho, estou aqui para falar em nome da Sociedade Cearense de Geografia e História, dando o nosso adeus a Raimundo Girão. Os motivos seriam muitos, porém no nosso caso um se sobreleva aos demais: Raimundo Girão, o grande, o imenso Raimundo Girão, era Presidente de Honra da Sociedade Cearense de Geografia a História, escolhido acima de tudo como uma homenagem, sinceríssima, é claro, ao notável historiador e homem ligado à Geografia que ele foi, desde os seus primeiros passos como pesquisador e escritor, estudioso impenitente das coisas do Ceará e desta Fortaleza que ele cantou e decantou em mais de uma oportunidade. Quando Caio Lóssio, também aqui presente, me convidou para dizer estas palavras, confesso que hesitei, perguntando-me: como passar por cima da emoção que certamente tomaria conta de mim, aqui e agora, como aliás está acontecendo? Por isso mesmo, resolvi escrever estas palavras desataviadas, que nem de longe, eu sei, estão à altura do homenageado -escolhido por sinal, por mim e por muitos outros, em duas ocasiões diferentes, como um dos vinte maiores cearenses de todos os tempos, ao lado de Antônio Martins Filho e Djacir Menezes. Na época, como esses dois queridos amigos, ele estava vivo, vivíssimo, atuando neste Ceará e nesta Fortaleza que sempre o reverenciaram como uma das pilastras da nossa cultura, engrandecida por ele através de uma obra não só grande como polimorfa, como poucas existem - em quantidade a qualidade - por esse Brasil afora. Citar não é preciso: livros de História, de Geografia, de Genealogia, com um destaque para o "Montes, Machados, Girões", de literatura e de cultura de modo geral, um deles, o "Dicionário da Literatura Cearense", cuja segunda edição, aumentada e melhorada, ele, um trabalhador indormido, estava preparando com a mais beneditina das paciências. Nascido na Palestina, Morada Nova, da qual falou tão bem no "Palestina, uma Agulha e as Saudades", no comecinho do século, Raimundo Girão desenvolveu logo a partir da adolescência, primeiro em Maranguape a depois aqui em Fortaleza, muitas e muitas atividades, consagrando-se inclusive como homem público sem nenhum vício político, pois a política não era do seu feitio, como ele próprio chegou a declarar. Foi, como se sabe, secretário geral da Prefeitura Municipal de Fortaleza e depois prefeito, secretário de Educação e fundador e primeiro secretário de Cultura do Estado, cuja criação ele propôs quando da realização do I Congresso Cearense de Escritores, acontecido aqui em 1946, e mais ministro do Tribunal de Contas do Ceará, primeiro diretor e professor da Escola de Administração do Ceará, partícipe dos mais atuantes do Instituto do Ceará e da Academia Cearense de Letras, além de atividades outras que constam da sua riquíssima biografia. A Academia, ali no Palácio Progresso, 12° andar, ele ia pela manhã, de vez em quando, para bater um bom papo com a sua grande amiga e colaboradora Maria da Conceição Sousa, com a Magdalena Figueiredo, com o Mozart Soriano Aderaldo, seu amigo do peito, comigo e com outros acadêmicos que por lá apareciam, a começar pelo nosso presidente Cláudio Martins, também seu grande amigo e admirador, como nós outros, bem assim com o Luiz Teixeira Barros e o bibliófilo João Carlos. E tinha o homem de e da família, a respeito do qual nos falava ainda ontem, no Prontocárdio, sua esposa amantíssima Marizot e seus filhos e filhas tão amorosos, contando a vida de Raimundo Girão na intimidade do lar, gostador de música e de uma boa piada, de poesia também, é claro, andando pra lá a pra cá como se estivesse medindo o tamanho da casa que se misturava com o seu coração de esposo, de pai, de avô, de bisavô, de irmão a de sogro, seu grande, seu imenso coração. Bem, meus amigos e familiares de Raimundo Girão, vou ficar por aqui, na certeza de que estamos levando ao solo deste Parque da Paz o corpo de alguém que realmente não morreu e que jamais morrerá, pela vida e pela obra que realizou na terra, neste Ceará e nesta Fortaleza que tanto o amava e admirava. Laus Deo.

(Pronunciamento feito no Parque da Paz, quando do sepultamento de Raimundo Girão e publicado no livro "Raimundo Girão, o Homem (1900-2000)" , organizado por Eurípedes Chaves Júnior e Valdelice Carneiro Girão,. Fortaleza, Editora Gráfica LCR, 2000. 257 p.)

Antônio Girão Barroso. Escritor, poeta, membro do Grupo Clã e da Academia Cearense de Letras.